O paciente 00001: o caso Febrônio Índio do Brasil

28 de janeiro de 2018

Febrônio Índio do Brasil: Crime, Loucura, Sexualidade e Raça nos anos 1920 e 1930, pesquisa desenvolvida pelo Medialab em parceria com o Instituto de Psicologia da UFRJ faz mapeamento histórico das relações discursivas, clínicas, técnicas e jurídicas na constituição da figura do indivíduo perigoso no Brasil do início do século XX 

Foto anexada ao arquivo do processo judicial

Apresentação- Paciente nº 000001 do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro – instituição de caráter até então inédito no Brasil –, o caso médico-legal de Febrônio Índio do Brasil se encontra no cruzamento de uma série de transformações que marcam o início do século XX na sociedade brasileira. Preso em 1927 no Rio de Janeiro sob a acusação de estupro e homicídio de dois menores, seu processo judicial inaugura as relações do direito com os saberes psicológicos e psiquiátricos no Brasil, uma vez que seus crimes e sua loucura, ao mesmo tempo que o tornam juridicamente inimputável, condenam-no à internação no Manicômio Judiciário, onde morre aos 86 anos, após 57 anos de confinamento.

Pelos crimes terríveis de que foi acusado, pela loucura que o habita, pela utilização de sua “mistura de raças” como argumento médico-legal, pelas “perversões instintivas expressas no homossexualismo com impulsões sádicas” (como diz seu laudo); trata-se, de fato, de uma vida cuja biografia revela não apenas as vicissitudes de uma trajetória individual, como também, e principalmente, a série de valores, saberes, poderes e conflitos de toda uma sociedade e sua época.

O caso Febrônio – O que veio a se constituir como o caso médico-legal de Febrônio Índio do Brasil se estabelece como um arquivo dos processos pelo qual os saberes psiquiátricos e psicológicos são legitimados como instrumentos para a “defesa social” (temática jurídica de suma importância no período em questão). Tanto o documento de sua defesa judicial quanto seu laudo psiquiátrico – que teve como relator Heitor Carrilho, um dos mais reconhecidos psiquiatras brasileiros – trazem em suas justificativas finais a temática da defesa da sociedade contra os indivíduos perigosos, proposta que tem como ponto fundante a possibilidade científica de se determinar todo um inventário de personalidades, modos de vida, hábitos e formas de existir os mais diversos que, então, apresentam-se como são potencialmente perniciosas para a ordem social.

Foto anexada ao laudo do exame médico-psicológico

Para além da dimensão jurídico-psiquiátrica, este inventário não cessou de ser popularizado pelos jornais da época. O papel da imprensa na produção da monstruosidade criminosa e da periculosidade de Febrônio Índio do Brasil é crucial na composição deste complexo caso. Trata-se, de todo modo, de um dos primeiros criminosos a ganhar larga fama de louco sanguinário por via dos jornais. Sua constituição como “monstro”, “perverso”, “bárbaro libidinal”, etc. rapidamente toma as páginas em grandes reportagens que se seguem aos crimes que delimitam seu destino. Extensamente fotografado, historiado criminalmente e descrito detalhadamente em sua composição física e mental, o caso de Febrônio apresenta-se como um laboratório midiático da popularização dos temores necessários à defesa social brasileira.

Esta rica história, apesar de sua grande repercussão na imprensa dos anos 1920 e 1930, permanece desconhecida ou em grande parte esquecida, tanto no meio acadêmico-científico quanto na memória popular. A pesquisa pretende retraçar os discursos que tecem a trajetória deste caso, a qual ilustra de modo singular uma série de elementos próprios à complexidade da sociedade brasileira, particularmente no tocante às relações entre crime, loucura, sexualidade e racismo, focos visados neste momento da pesquisa.

Notadamente, tais relações ainda se apresentam como problemáticas e controversas em nossos dias. O esquecimento histórico dessas transformações não impede que ainda exerçam sua força inaudita sobre nossa contemporaneidade. O trabalho de elaboração sobre seus rastros deixados não deixa de ser, assim, um trabalho sobre nós mesmos. Eis, portanto, o ponto em que reside a decisiva importância da retomada deste caso.

Equipe – A pesquisa é coordenada pela professora Fernanda Bruno e pelo doutorando Mateus Thomaz Bayer e conta com os bolsista de iniciação cientifica Ana Cleris Morais Silva, Camila Fernandes Rodrigues, Caroline Carmona Vasques Mata, Filipe Maia Antunes, Iamara Gonçalves Peccin, Laura Silva Campos Lessa e Pedro Luis Sydenstricker Alvares.

Foto anexada ao arquivo do processo