#Dobras 2 // O profissional autônomo antes do carro autônomo: trabalho e discurso na uber no Brasil

11 de maio de 2018

Por Victor Vicente

 

Uber e outras empresas da economia do compartilhamento promovem modos de trabalho informal, muitas vezes não regulados, como parte de um avanço social positivo, viabilizando maior flexibilidade e autonomia para o indivíduo – sendo este tanto produtor quanto consumidor. O vínculo empregatício, que assegura direitos estabelecidos pelo Estado ao empregado e ao empregador, perde importância nessa dinâmica de produção, que não deixa de estar localizada em um momento amplo de redução de postos de trabalho formais e automação difusa.

Ainda que seja difícil precisar o impacto econômico, social e político da economia do compartilhamento, muitos pesquisadores já buscaram aprofundar a questão. Menos olhares se voltaram para os discursos de verdade promovidos por essas empresas para articular tal modelo de negócio como atrativo para a sociedade e a força de trabalho. Por isso, neste trabalho a comunicação da Uber direcionada à construção dos motoristas parceiros é analisada a partir do pensamento tardio de Michel Foucault. Em cursos ministrados no Collège de France, o filósofo aprofundou suas preocupações acerca da ética, ou seja, a atenção de si mesmo em termos de agenciamento moral, de trabalho intencional em práticas de autoformação ou subjetivação, relacionando-a aos discursos de verdade e ao poder.

 

UBER, AUTOMAÇÃO E O FUTURO?

A Uber está presente em 77 países e mais de 480 cidades¹. Sendo uma empresa com operações mundiais, a problemática levantada por suas operações extrapola fronteiras, mas o estudo aqui desenvolvido se concentra no Rio de Janeiro, primeira cidade a receber a Uber do Brasil, com menções também a São Paulo e Belo Horizonte. Os motivos dessa escolha são dois. Em primeiro lugar, deseja-se destacar que as articulações desses modelos de negócios e de trabalho possuem efeitos particulares em países do Sul Global. Observar o fenômeno da economia do compartilhamento em cidades com altos índices de desemprego e problemas de mobilidade urbana, o caso do Rio de Janeiro, é crucial para compreender a nova economia em sua amplitude. Em segundo lugar, importa apontar para essas experiências compreendendo práticas de poder e liberação a partir de realidades que estão comumente ausentes ou marginais em debates sobre a construção do amanhã, mas que, ainda assim, se tornarão cada vez mais influentes na realização deste.

Em entrevista de 2006 para a Revista Azougue, Viveiros de Castro fez menção a essa questão, referenciando o livro “Brazil, a Land of the Future”, ao dizer:

É. Outro dia, conversando com amigos, alguém falava sobre como o capitalismo tinha mudado no mundo todo, sobre o sistema de controle da mão-de- obra do capitalismo moderno, a precarização, informalização etc. E aí alguém lembrou que isso sempre existiu no Brasil. E eu fiquei pensando, sempre disseram que o Brasil era o país do futuro, iria ser o grande país do futuro. Coisa nenhuma, o futuro é que virou Brasil. O Brasil não chegou ao futuro, foi o contrário. Para o bem ou para o mal, agora tudo é Brasil.

Neste início do século XXI, a automação e a inteligência artificial começaram a ser motivo de preocupação em países europeus e nos Estados Unidos, provocando debate sobre impactos negativos da nova economia para a segurança do emprego, desigualdade e redistribuição de renda. Mas, como bem aponta Ronaldo Lemos, esses problemas são familiares aos países em desenvolvimento. Cabe, então, partir da perspectiva do Sul, de suas experiências particulares, para cristalizarmos possibilidades outras de futuros onde o bem-estar social ainda seja possível. O trabalho e novas formas de renda são parte necessária desse problema. Este artigo tem como principal eixo de atenção a economia do compartilhamento exatamente por entendê-la a partir deste contexto de esvaziamento de vagas e formalidade no trabalho global, mas com ressonâncias específicas no Rio de Janeiro e no Brasil.

Dois campos do discurso são analisados neste trabalho: o Direito e o marketing. Dessa forma, torna-se importante esclarecer que o artigo não pretende avaliar decisões judiciais acerca de uma boa solução para a problemática trabalhista entre motorista parceiro e Uber. Não é de nosso interesse propor um bom modelo de regulação para a empresa, ou, ainda, justificar qualquer tipo de proibição. Este trabalho se presta a um objetivo de menor complexidade, tendo em vista seu interesse exclusivo pela organização discursiva que intenta formar tipos de indivíduos neste regime produtivo.

O artigo completo será publicado na próxima semana.

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¹ Dados retirados do site oficial da Uber.

Disponível em: https://newsroom.uber.com/brazil/fatos-e- dados-sobre- a-uber/. Acesso em: 17/07/