#Dobras 7 // Antes do PCB: os primeiros textos comunistas, as edições em língua espanhola e a atuação pioneira do tipógrafo Canellas

19 de junho de 2018

Por Wilson Milani*

 

Nota: O presente texto é um excerto da tese Vigilância e repressão sobre a imprensa operária carioca no século XX: o caso das gráficas do PCB, que vendo sendo desenvolvida pelo autor no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ. Para uma apresentação geral da pesquisa, ver #Dobra 1.

 

Inscrição comunista em muro do Rio de Janeiro

 

Não foram das máquinas de impressão do PCB que saíram os jornais que primeiro publicaram textos relevantes de militantes e teóricos comunistas. As teses de abril de Lênin (em forma de resumo), por exemplo, foram publicadas pela primeira vez no Brasil em maio de 1917 pelo jornal carioca O Imparcial. Dois anos depois, o principal dirigente da Revolução Russa tem artigos divulgados – Carta aos trabalhadores americanos e A democracia burguesa e a democracia proletária – no jornal Spartacus, sediado no Rio de Janeiro, que também deu espaço em suas páginas semanais a textos de Trótski, Clara Zetkin e Máximo Górki naquele ano.

Também em 1919, o pernambucano A Hora Social trouxe em um de seus números a primeira Constituição Soviética. Outros dois jornais reproduziriam ainda no princípio do século XX, logo após a Revolução Socialista de Outubro, textos de autores comunistas. O paulista Alba Rossa em março de 1919, com um artigo de Lênin sobre a Paz de Brest Litovski, e o Vanguarda, também de São Paulo, em 1921, com um discurso de Clara Zetkin e textos de Losovski (SECCO, 2017). Todas essas publicações ocorreram em anos anteriores à fundação do PCB, que se deu em março de 1922.

Quanto aos livros, tornou-se tarefa da Internacional Comunista editá-los em várias línguas e remetê-los aos partidos comunistas dos países ligados ao órgão internacionalista. No caso do Brasil, as obras que aqui chegaram nas primeiras décadas do século XX são fruto principalmente de importações feitas da Espanha ou da Argentina. Circulavam também artigos marxistas em francês, mas em quantidade inferior aos textos de língua espanhola.

Só mais tarde haverá versão em português dos livros editados na URSS. Caberá a editora portuguesa Progresso essa tarefa. De acordo com Secco (2017, p. 58), “[de] artigo em revista a uma brochura impressa há um salto que exige recursos e tradutores (…). Por isso, com raras exceções os primeiros teóricos marxistas estrangeiros circulam [no Brasil] em espanhol”. Não só livros, mas boletins em língua espanhola também ganhavam às ruas. Elias Reinaldo da Silva, de codinome “Paulo” ou “André”, declarou em depoimento à polícia política que, assim que entrou no PCB, teve oportunidade de transportar boletins da Espanha para o Brasil em 1930 “por ocasião da campanha eleitoral da Aliança Liberal”. Elias era marítimo à época.

Pioneirismo

No princípio do século XX, antes da fundação do PCB, o trabalho de um tipógrafo militante pernambucano se destacaria. Antônio Bernardo Canellas imprimiu artesanalmente e distribuiu cerca de nove brochuras referentes a assuntos tão variados quanto educação popular, propaganda, modelo organizativo operário, relato de viagem à Europa etc. Do total, dois livros eram assinados por Sébastien Faure. Os demais eram de autoria do próprio tipógrafo. Podia-se encontrar as obras em cidades como Natal, Paraíba do Norte, Recife – onde foram impressas –, Maceió, Salvador e Rio de Janeiro. Os preços variavam entre $200 e 1$000.

Anos mais tarde, Canellas seria o delegado do PCB no IV Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1922. Seu desempenho, no entanto, frustrou as expectativas dos militantes brasileiros de serem reconhecidos pela organização internacionalista. Como explica Secco (2017, p. 55), “[é] que o delegado brasileiro teve comportamento reprovado pelos dirigentes russos, discutindo até mesmo com Trótski que o chamou de ‘phenomène de l’Amérique du Sud’. Canellas defendeu a presença dos maçons no PCB”. O partido ingressaria na Internacional somente dois anos depois do imbróglio entre Canellas e Trótski.

Ao retornar, o tipógrafo tratou de escrever – em português e francês – e imprimir um relato de sua experiência. O material, intitulado Relatório da delegacia à Rússia, não circulou de imediato, pois Canellas foi preso e o texto, confiscado pela polícia política. Retomada a liberdade e contrariando as orientações do partido de manter em sigilo o que se discutira no congresso, o tipógrafo publica o texto em 1923, atitude que lhe rendeu a expulsão do PCB.

A resposta da direção também veio sob forma de material impresso. Trata-se da obra Processo de um traidor (O caso do ex-comunista Canellas), escrita pelo militante Astrojildo Pereira, mas divulgada anonimamente em 1924. Nela, Canellas é acuso de ser “graphomaniaco: um homem que nada lê e muito escreve” (Secco, 2017, grifo do autor). O texto saiu pela Tipografia Lincoln, sediada no Rio de Janeiro, e era vendido por 1$000.

Apesar da expulsão, Canellas manteve a militância de “profissional da palavra impressa” trabalhando como tipógrafo e editor do jornal O 5 de Julho. É da lavra dele panfletos como Os martyres de Chicago: Alberto Parson e os seus companheiros e Os martyres da Revolução Alemã: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.

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SECCO, Lincoln. A batalha dos livros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2017.

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*Pesquisador do MediaLab.UFRJ, Wilson Milani é doutorando em Comunicação e Cultura pela UFRJ.