#Dobras 27 // Um espectro ronda o Brasil: o espectro do anticomunismo

12 de abril de 2019

Por Wilson Milani*

 

 

Um espectro ronda o Brasil: o espectro do anticomunismo.

Do ponto de vista histórico, o anticomunismo começa a ser elaborado na ocasião em que o pensamento político e filosófico de Marx e Engels produz sua primeira e mais importante revolução social: a Revolução Russa. A partir desse momento, o medo e a insegurança despertados pela ação revolucionária do proletariado foram progressivamente consubstanciados em movimento organizado e projeto político em diversos países.

No caso do Brasil, o anticomunismo teve papel destacado na história republicana, tornando-se o argumento principal para a concretização de duas rupturas institucionais recentes, ocorridas em 1937 e 1964. As intervenções getulista e dos generais das Forças Armadas contra a “comunização do país” produziram regimes ditatoriais que perduraram por décadas.

E agora, após um período em que sua capacidade de mobilização parecia estar esgotada, eis que o anticomunismo retorna como uma das linhas de força responsáveis por levar Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em 2019. Parece que o espectro do anticomunismo jamais deixará de nos assombrar.

Imaginário

Por aqui, o anticomunismo começa a tomar forma somente nos primeiros anos da década de 1930, momento que coincide com a expansão do Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922. Uma vez materializado numa organização política, é como se o comunismo fosse transformado em “perigo real”, o que fez com que seus adversários se mobilizassem para combatê-lo.

No entanto, há um fato em especial que pode ser considerado o marco da disseminação do anticomunismo entre parcelas expressivas da sociedade. Trata-se do levante organizado, em novembro de 1935, pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e pelo PCB, então clandestino.

Nas décadas seguintes, a ação organizada do Estado, de grupos sociais e da imprensa tratou de transformar o acontecimento de 1935 em um marco importante da militância contra os comunistas. A cada ano, celebrações no mês de novembro eram dedicadas à memória dos “militares patriotas” que tombaram no combate ao que a historiografia oficial passou a designar como “Intentona Comunista”.

A partir de então, a estratégia foi tão bem-sucedida que é possível falar, segundo Motta (2000, p. 7), na existência de uma “sólida tradição anticomunista” no Brasil, “cujo zelo militante levou à constituição de um conjunto de representações sobre o comunismo, um verdadeiro imaginário anticomunista”. Parte significativa da propaganda anticomunista utilizada até hoje provém de argumentos e imagens produzidos nos anos que se seguiram ao levante de 1935.

Força política

Apesar das particularidades de cada conjuntura histórica, a bandeira anticomunista foi frequentemente hasteada com o intuito de aglutinar as diversas tendências que compõem o amplo espectro das forças conservadoras e reacionárias no país. Em momentos de acentuada crise política, diferenças ideológicas no campo da direita foram postas de lado em proveito da formação de frentes suprapartidárias e ecumênicas de combate aos revolucionários marxistas.

Uma boa referência para se dimensionar a importância do anticomunismo como força de mobilização política é a história do uso do epíteto “comunista”. Em incontáveis ocasiões, o termo “comunista” foi utilizado para qualificar pejorativamente desafetos e adversários. Qual político, tanto à esquerda quanto à direita, não fora chamado de “comunista” por seus detratores? Não raro, as acusações se revelavam infundadas e oportunistas, e, em alguns casos, bastante cômicas.

Nesse sentido, pode-se dizer que o anticomunismo fora mobilizado ora de maneira instrumental, ora em virtude de uma genuína convicção. Nas “ondas anticomunistas” de 1936 e 1964, instrumentalização e convicção apareceram normalmente combinadas, com a prevalência de uma dimensão sobre a outra conforme a conjuntura histórica em que se analisa.

O anticomunismo sem comunistas de Bolsonaro

A eleição de um militar de extrema-direita à presidência da República em 2018 se deu em uma conjuntura de ataques às pautas das minorias e de forte argumentação anticomunista, ainda que as associações ao comunismo (ou ao socialismo) tivessem sido feitas tendo como objeto o Partido dos Trabalhadores (PT), o qual, embora pertencente ao campo progressista, nunca fora um partido de orientação marxista-leninista clássica.

Durante os primeiros meses de governo, Bolsonaro seguiu mobilizando seus apoiadores com base na estratégia de forjar para si próprio um antagonista relevante e insidioso, tal como feito outrora por outros políticos em relação ao comunismo. A diferença essencial é que, no atual contexto, esse inimigo se dividiu em três: o jornalista mal-intencionado que pretende derrubar o governo; o professor doutrinador que ensina socialismo nas escolas e universidades; e a feminista ou o militante LGBT que pretende mudar a identidade sexual de crianças e adolescentes.

Tudo isso conformaria uma espécie de “marxismo cultural” a qual o governo deveria veementemente combater. Afinal, “o Brasil começou a se libertar do socialismo” no exato momento em que Jair Bolsonaro fora eleito.

A manipulação do medo do comunismo por parte de grupos políticos e do próprio Estado foi muito frequente na história, mas houve quem de fato acreditasse na “ameaça vermelha” e, atemorizado, se propusesse a combatê-la. O receio não era infundado, já que os comunistas constituíram durante anos uma força política de peso no cenário nacional, chegando a organizar guerrilhas e levantes contra a ordem vigente. Havia razões, portanto, para temê-los.

O anticomunismo sem comunistas de Bolsonaro tem resultado, até aqui, em aparelhamento das instituições do Estado, perseguição política a adversários e críticos do governo e doutrinação de caráter fascistoide.

(continua)

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MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 315 páginas. Tese defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.

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Imagem: Karina Freitas.

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*Pesquisador do MediaLab.UFRJ, Wilson Milani é doutorando em Comunicação e Cultura pela UFRJ.