#EstamosLendo_6 // Da memética aos memes de internet, Viktor Chagas

6 de agosto de 2021

Por Paulo Faltay 

“Meme, que meme?”, perguntou a então presidenta Dilma, em 2016, ao ser perguntada se já tinha visto um vídeo que remixava o icônico discurso dela sobre estocar vento. É bem verdade que, na época, a direita já utilizava exaustivamente os memes na mobilização pelo impeachment e que as engrenagens da máquina de propaganda bolsonarista já estavam a todo vapor. Ainda assim, uma figura central da política brasileira poderia desconhecer a natureza de alguns dos conteúdos mais populares da internet. Não mais. Os memes não só estão em todos os lugares e em todas as conversas nas redes, como se tornaram elemento central da comunicação política cinco anos depois. 

A ampla disseminação e utilização dos memes na internet veio acompanhada, obviamente, do crescente interesse da academia pelo fenômeno. De fato, há uma ebulição de diversas pesquisas, artigos e reflexões em torno dos memes. Mas quando pesquisadoras e pesquisadores discorrem sobre memes, do que elas e eles estão falando? Realizar uma organização e sistematização dos deslocamentos em torno do campo de estudos e de pesquisas sobre o tema é o objetivo do artigo “Da memética aos memes de internet: uma revisão da literatura“, do professor de Comunicação da UFF, Viktor Chagas. 

Chagas é um dos principais pesquisadores sobre memes do país, coordena o projeto #MUSEUdeMEMES e o Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (Colab/UFF) e possui uma gama de publicações em torno do tema. No artigo em questão, o professor e pesquisador realiza uma concisa e detalhada revisão de literatura sobre a memética e os memes de internet. Gostaria de destacar dois gestos importantes realizados por Chagas no texto: citar logo de início a imprecisão conceitual de se relacionar, sem as devidas traduções, a linguagem viral de internet ao termo de Richard Dawkins e a divisão do campo de estudos dos memes no que ele chama ora de “gerações” ora de “ondas”. 

Detalhando estes dois pontos. O primeiro diz respeito à certa confusão que frequentemente nos deparamos, seja na mídia, seja na produção acadêmica, em relacionar diretamente o conteúdo humorístico e/ou viral da internet com o conceito biológico de “meme”, cunhado por Dawkins no livro O gene egoísta (1976). Chagas argumenta que há alterações drásticas no entendimento a respeito do que seriam memes, bem como no próprio campo de estudos na comunicação, o que torna essa aproximação direta bastante problemática. Nesse sentido, é importante o destaque dado no texto à produção de Limor Shifman e ao livro Memes in digital culture (2014) na passagem do eixo das pesquisas da memética biológica para a ênfase nos memes de internet. Destaco um trecho:

A conceituação de Shifman (2014) muda drasticamente o entendimento a respeito do fenômeno, já que contrapõe a definição herdada de Dawkins (1976) em, pelo menos, três aspectos. Em primeiro lugar, Shifman (2014) entende os memes como “itens digitais”, isto é, textos ou materiais. Isso equivale a dizer que sua atenção é voltada ao veículo do meme, e não ao meme em si, conforme a acepção original. O veículo do meme é o modo como ele se apresenta, sua materialidade. Por essa razão, o meme de Shifman (2014) não é uma ideia ou um comportamento, mas uma mídia. Em segundo lugar, ela adota a expressão “grupo” para propor que os memes não são propriamente uma “unidade” de transmissão, como advogavam os memeticistas, mas um coletivo de conteúdos. Isso significa que só é possível reconhecer um meme a partir de sua inserção em um conjunto de materiais similares, ou seja, em um contexto. Por fim, mas não menos importante, a pesquisadora admite que os memes são “postos em circulação” e, dessa forma, reconhece a agência humana, abraçando uma perspectiva culturalista, em contraposição à controvérsia a respeito do papel do sujeito na memética.

O protagonismo que assume Shifman e os colaboradores dela nas investigações e elaborações sobre memes é fundamental para o segundo ponto que destaco, a organização do campo de estudos por gerações e/ou ondas. Chagas a situa na segunda geração que se dedica sistematicamente ao tema. Segundo ele, é um grupo de pesquisadoras e pesquisadores que privilegiam a reinterpretação epistemológica dos memes. A primeira geração, na organização de Chagas, diz respeito às abordagens do campo disciplinar da memética, envolvido diretamente no conceito de Dawkins e nos desdobramentos e desenvolvimento da área a partir de autores como Daniel Dennett, Susan Blackmore e Gustavo Leal-Toledo. Há, por fim, uma terceira geração, praticamente concomitante à segunda geração de Shifman, que se debruça menos no desenvolvimento do conceito e mais em aprofundar debates específicos e marcados por observações e análises empíricas do meme enquanto gênero discursivo e textual da internet, bem como de suas implicações, usos e efeitos .

Bastante detalhada, ainda que não exaustiva, a revisão e sistematização de literatura propostas por Chagas no artigo é de grande auxílio metodológico para quem pesquisa ou tem interesse na investigação sobre memes de internet. Destaco, novamente, o gesto de deslocar o eixo de fundamentação das pesquisas dos campos de comunicação e comunicação política de Dawkins para Shifman e a organização em grupos ou gerações diferentes a partir da natureza de análise do fenômeno. Cabe a ressalva de que o pesquisador e professor apresenta a literatura brasileira do tema, mas não se demora nela. Lacuna que pode ser um convite para que pesquisadoras e pesquisadores continuem o mapeamento e acompanhamento dos movimentos do ecossistema midiático e do campo de investigação dele.