Dobras #52 // #FacebookFiles e a contagem privada dos likes no Instagram
21 de dezembro de 2021Por Anna Bentes*
Texto originalmente publicado em #Facebook e a contagem privada dos likes no Instagram
Em abril de 2019, para surpresa do público, o Instagram anunciou que começaria a realizar alguns testes em relação à visualização das curtidas na plataforma, ou o que chamaram de “contagem privada de curtidas”. Em um contexto pós-Cambridge Analytica, o Facebook começou com uma série de discursos e medidas visando melhorar a sua credibilidade, por exemplo, afirmando que “o futuro é a privacidade” e que essa seria a tônica da sua família de apps nos próximos anos.
Em um primeiro momento, poderia parecer que a retirada dos likes teria um impacto significativo nas formas de sociabilidade da plataforma. Porém, é uma medida que parece mais radical à primeira vista do que realmente é. Em primeiro lugar, é muito importante dizer que, embora popularmente essa mudança tenha sido chamada de “o fim dos likes”, a empresa efetivamente não pôs fim em like algum.
Os likes integram uma lógica de mensuração, avaliação e quantificação que vai muito além do Instagram. Essa mensuração está presente em todas as redes sociais e seus recursos de contagem de seguidores, amigos ou inscritos, em números de comentários e likes; mas está também em plataformas como Ifood e Uber com as notas de motoristas, entregadores e usuários; está nas métricas dos anúncios dos Google Analytics, entre outros.
Quando o Instagram decidiu, portanto, introduzir a contagem privada dos likes, empresa estava com a imagem pública abalada e, em especial, o Instagram. A rede social já havia sido apontada como uma das redes sociais mais tóxicas ou potencialmente danosas para a saúde mental de seus usuários, particularmente, para os mais jovens por uma série de pesquisas externas, como mostrou, por exemplo, um relatório realizado pelo Royal Society for Public Health em 2017. Na época, a medida parecia indicar que a empresa estava reconhecendo os problemas e estava tentando resolvê-los ou, ao menos, assim queria fazer parecer como ficou mais evidente recentemente com o vazamento dos Facebook Files.
Os Facebook Files são os documentos internos da empresa recentemente vazados por uma ex-funcionária da empresa, chamada Frances Haugen, para os jornalistas do Wall Street Journal. Parte desses documentos estão disponíveis no site do jornal e eles também fizeram um podcast em 8 episódios aprofundando algumas dessas frentes de investigações.
Essas reportagens mostraram que o Instagram, a partir de 2018, passou a investir em pesquisas internas – e chama atenção o fato deles manterem todas essas pesquisas em sigilo, uma vez que tais resultados são de interesse público – para investigar os impactos da rede social na saúde mental dos seus usuários.
Alguns dados curiosos nesses documentos são: 1 em cada 10 pessoas experienciam comparação social negativa frequentemente ou sempre no Instagram; 1 em cada 4 pessoas dizem que o Instagram torna pior comparações sociais; aproximadamente 1⁄3 dos usuários comparam sua aparência na plataforma frequentemente ou sempre; ¼ afirma sentir uma grande pressão para parecer perfeito e, em sua maioria, meninas adolescentes. De acordo com a apuração do WSJ, a empresa sabia também que a comparação social negativa poderia agravar outras questões de saúde mental como ansiedade, depressão, solidão, impulsos suicidas, distúrbios alimentares, etc. O WSJ mostra ainda que os próprios funcionários do Instagram apresentavam soluções que nunca foram adotadas, como diminuir os filtros de embelezamento, menos conteúdos de celebridades, aumentar as ferramentas para pausas no uso etc.
Uma das coisas mais surpreendentes sobre o Instagram, revelada no episódio 2 – ‘We Make Body Image Worse‘, é que, em 2019, quando estavam trabalhando no projeto de retirada dos likes, eles primeiro testaram em uma população pequena para ver se a medida teria de fato um efeito na saúde mental das pessoas. Eles viram que essa medida, na verdade, não fazia tanta diferença positiva no bem-estar mental, mas também não fazia de forma negativa. Depois disso, o Facebook decidiu ir em frente com a implementação, pois eles acreditavam que a medida, embora não fosse tão efetiva, iria causar um impacto positivo na imprensa e na opinião pública. E foi uma boa previsão.
Ou seja, era só uma questão de aparência, veja só a ironia né, considerando todos os jogos ver e ser visto presentes cotidianamente nesta plataforma. Assim como para os modos de exposição na rede social, para a própria empresa, importa mais parecer do que ser. É mais fácil parecer que estava se preocupando com a saúde mental de seus usuários e que estava fazendo alguma coisa em relação a isso do que estar fazendo algo efetivamente para contornar a questão.
Claro que, assim como eles apostaram, nós poderíamos supor que a retirada da visão dos likes de outras pessoas poderia ajudar a diminuir esse sentimento de comparação, mas algo significativo é que os likes seguiam sendo vistos pelos usuários. Além da contagem nunca ter sumido da versão web do Instagram, os likes dados aos seus próprios posts e, esses sim constituem um mecanismo bem mais problemático em termos de impacto na saúde mental, pois faz as pessoas se sentirem queridas ou não, aceitas ou não e é também extremamente viciante. Ironicamente, em maio de 2021, eles decidiram voltar atrás com a contagem dos likes, mas com a diferença que agora pode ser uma opção dos usuários visualizar ou não a contagem dos likes.
*Anna Bentes é pesquisadora e professora em Comunicação, Psicologia e Mídias Digitais. Doutoranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
Referências:
BENTES, Anna. Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2021.
WSJ Facebook Files: https://www.wsj.com/articles/the-facebook-files-11631713039
Imagens retiradas dos documentos: 1. Apperance-based Social Comparison on Instagram; 2. Social comparison: Topics, celebrities, Like counts, selfies.
Podcast episódio 2 – ‘We Make Body Image Image Worse: https://www.wsj.com/podcasts/the-journal/the-facebook-files-part-2-we-make-body-image-issues-worse/c2c4d7ba-f261-4343-8d18-d4de177cf973