Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo a partir do Instagram
19 de junho de 2018
Por Anna Bentes
– Com que frequência você acessa seu Instagram?
– Várias vezes por dia (…). O Instagram é quase um tique de entrar. Acho até que, por ser no celular, é uma coisa meio automática de pegar, entrar, dar uma olhadinha e sair (M.S)
Nosso tempo e nossa atenção são, cada vez mais, capturados por tecnologias que passam a fazer parte de nossos hábitos cotidianos. A força irresistível de dispositivos como o Instagram torna seus modos de uso “quase um tique”.
Ao mesmo tempo aplicativo, empresa e rede social, o Instagram é tomado nesta pesquisa como um dispositivo privilegiado para mapear as trajetórias contemporâneas em disputa nas relações entre tecnologia, visibilidade e subjetividade.
Enquanto um aplicativo para produzir e compartilhar imagens, o Instagram envolve softwares, algoritmos, interfaces e recursos técnicos específicos que definem os limites e as possibilidades de ação dos usuários na plataforma. Além disso, também é uma empresa, com seus programas, discursos, estratégias e formas de capitalização específicas. Integrando à família de aplicativos do Facebook desde 2012, o Instagram opera segundo uma nova lógica de acumulação do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2015), na qual o monitoramento, análise e acúmulo dos dados dos usuários é a principal forma de capitalização.
Na pesquisa, busco enfatizar como o mercado de dados digitais atualmente está intimamente relacionado às operações da Economia da Atenção. A premissa fundamental de uma economia atencional é que, em um mundo onde há uma oferta infinita de conteúdos, produtos, informações e imagens, o que falta é a atenção (e tempo) para consumir todas essas ofertas. Assim, enquanto um recurso cada vez mais escasso, a atenção se torna casa vez mais valiosa nesse contexto.
Para que o mercado de dados prospere e floresça, empresas como o Instagram dependem que seus usuários passem o máximo de tempo possível conectados às suas plataformas. Pois, quanto mais tempo passam na plataforma, mais dados são gerados, capturados, analisados e capitalizados. À vista disso, essas empresas desenvolvem uma série de estratégias persuasivas para capturar a atenção de seus usuários afim de tornar o uso de seus serviços um hábito, ou seja, “um comportamento automático encadeado por pistas situacionais; coisas que fazemos com pouco ou nenhum pensamento consciente” (Eyal, 2014). Para formação desses hábitos, segundo o behavioral designer Nir Eyal (2014), essas companhias moldam suas plataformas de acordo com o Modelo do Gancho.
Além de aplicativo e empresa, o Instagram é uma rede social. Este terceiro nível envolve aqueles que de fato usam o aplicativo para produzir e consumir imagens, configurando o âmbito da experiência de formas de sociabilidade e produção de subjetividade a partir do uso da plataforma. Ao estabelecer vínculos sociais através do mecanismo seguir e ser seguido – que não implica uma suposta relação social a priori da pura vontade de ver e ser visto –, o Instagram lança seus usuários na conquista constante de se tornar objeto da atenção do outro e na disputa em ater sua atenção ao outro.
Assim, considerando este triplo aspecto, este aplicativo-empresa-rede social implica diferentes modulações do visível: a visibilidade dos usuários aos olhos da empresa; a visibilidade que os usuários consomem uns dos outros e a visibilidade que os usuários produzem de si mesmo através das imagens que compartilham.
Essas diferentes modulações do visível presentes no Instagram e em outros âmbitos de nossas sociedades atualizam os elos históricos entre vigilância e espetáculo em nosso presente. Sob os ritmos 24/7 do capitalismo tardio (Crary, 2014), ver e ser visto ganham sentidos atrelados ao pertencimento, à reputação e à admiração, conferindo à visibilidade uma conotação primordialmente positiva e desejável. Assim, a formação de um regime de visibilidade híbrido de múltiplas formas de vigilância e espetáculo está associado a um deslocamento histórico do eixo em torno do qual as subjetividades se edificam. Configurando uma topologia exteriorizada (Bruno, 2013) e alterdirigida (Sibilia, 2016; Riesman, 1971), as subjetividades contemporâneas convocam e incitam ininterruptamente o olhar do outro no processo de constituição de si e nas formas de sociabilidade nas tecnologias digitais.
No palco das telas da rede social, os usuários são ao mesmo tempo artistas e curadores de suas imagens, e seguem critérios performáticos para a apresentação de Exposições de si – no sentido de se expor, mas também no sentido museológico. Susceptíveis a edições, estilizações e modulações específicas, essas exposições de si apresentam variados empreendimentos pessoais ou profissionais, sejam de momentos gloriosos ou de situação banais. Sob os princípios de uma cultura empreendedora que cultua a performance individual, os espetáculos de si no Instagram prestigiam e estimam estilos de vida saudáveis, ativos, energéticos, bonitos e felizes com suas imagens e corpos otimizados.
Esses modos de ser hipervisíveis e empreendedores ganham especial brilho na figura dos influenciadores digitais. Um dos argumentos da pesquisa é que essas figuras constituem não somente uma nova categoria profissional, mas também um novo modelo de subjetividade – que chamei de selfie influencer. Nesse exercício profissional da influência, esses personagens apresentam modelos de ação que ensinam seus seguidores sobre estilos de vida, de gostos, de moda, de culinária.
Por fim, o argumento central da pesquisa é que a captura tão intensa do nosso tempo e da nossa atenção pela plataforma não apenas é fruto das estratégias extremamente eficazes e persuasivas da economia da atenção e do gancho, mas, sobretudo, é também um efeito desses descolamentos históricos que tornam os modos de ver e ser vistos aspectos fundamentais aos nossos modos de ser contemporâneos. Portanto, nesse regime híbrido de relações entre vigilância e espetáculo, os hábitos “quase um tique” são produzidos principalmente pelo desejo e necessidade de trocas intersubjetivas de atenção. Os usuários estão enganchados ao Instagram tanto por conta do funcionamento dessa economia que depende da captura do tempo e da atenção, como também por ele ser uma ferramenta privilegiada para nossas formas de constituição de si e de relação com o outro, características das nossas subjetividades contemporâneas.
Este projeto foi desenvolvido na dissertação de mestrado da pesquisadora, entre 2016 e 2018.
Anna Bentes é pesquisadora do Medialab UFRJ, é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura pela UFRJ e atualmente é doutoranda no mesmo programa.
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