#Dobras 5 // Algoritmização da vida: revirando os fundamentos da automação

1 de junho de 2018

Por Lorena Regattieri

 

Algoritmos não são objetos autônomos, mas são modelados pela ‘pressão’ das forças sociais externas. O algoritmo deixa ver a dimensão maquínica das máquinas informacionais, contra as interpretações simplesmente ‘linguísticas’ das primeiras teorias da mídia. De todo modo, dois tipos de máquina informacional ou algoritmo atuam diferentemente: algoritmos para traduzir informação em informação (quando se codifica um fluxo em um outro fluxo), e algoritmos para acumular informação e extrair metadados, quer dizer, informação sobre a informação. É em particular a escala da extração de metadados que deixa ver a nova perspectiva sobre a economia e a governança dos novos meios de produção.

Matteo Pasquinelli, Capitalismo Maquínico, 2013.

O desenvolvimento das tecnologias de informação tem impacto nas plataformas digitais principalmente por meio do algoritmo. Na definição clássica da computação “um algoritmo é qualquer procedimento computacional bem definido que tenha algum valor, ou conjunto de valores, como entrada e produz algum valor, ou conjunto de valores, como saída” (CORMEN et al, 2009, p. 5). Em suma, um algoritmo é uma sequência de passos computacionais que transforma dados da entrada para a saída. Na sociedade da informação, aparece um sujeito autônomo e produtor de sua própria narrativa. Especificamente nos estudos sobre o algoritmo – na relação homem e máquina ­–­, percebo um campo fértil para investigar os processos de subjetivação dos novos atores dentro de uma atmosfera socialmente impactada por essas agências tecnocientíficas.

A polarização, o intenso uso das redes sociais, o regime de atenção em disputa, enfim, em alguma medida os algoritmos funcionam como um agente intervindo na dinâmica social. Todos querem um pouco de subjetividade, das empresas aos governos, até mesmo os próprios movimentos sociais. Não obstante, os indivíduos continuam a saga pela singularidade. Doravante, esse trabalho inteligente capaz de produzir rotinas computacionais não se enquadra mais na fábrica. Espalham-se programadores, jornalistas, designers, sociólogos, enfim, misturam-se profissionais aptos para essa produção de narrativa original. Os novos operários da informação podem trabalhar remotamente parar criar algoritmos de filtragem e curadoria de acordo com gostos, e até robôs para persuadir, por isso nos perguntamos: até que ponto esses agentes autômatos criados por humanos podem influenciar o debate público entre as redes e as ruas? Quem fala? Quem ouve e de quem está se falando? Agora que podemos rastrear esses dados sociais, nos encontramos diante dessa entidade capaz de realizar uma performance social e tentamos compreender seus impactos na comunicação.

A relevância no contexto contemporâneo de sites de rede on-line serve como meio para interpretar as ações políticas e coletivas. No âmbito dos movimentos insurgentes, existe um novo modo de “organização e de expressão da inteligência comum” (LAZZARATO, 2006, p.183). Recentemente, os artigos de Matteo Pasquinelli (2015, 2013) demonstram o crescimento e a forma de um padrão de policiamento do comum. O novo chão das políticas de informação são os bancos de dados globais, diante da acumulação de números na sociedade em rede, uma nova geografia coletiva se abre para a colonização da vida. Temos uma topologia de uma nova forma de poder, é por isso que processos comunicacionais online nas redes sociais servem de campo de trabalho para as ciências humanas e sociais. Entre as ruas e a rede, apareceram as muitas revoltas em todo o mundo: #OccupyWallStreet, #15M, #OccupyGezy, #VemPraRua e #NãoVaiTerCopa., o #ForaTemer e tantas outras. O algoritmo (BEER, 2016) é o dispositivo que atravessa todas essas ações coletivas e revoluciona a comunicação. As redes sociais têm no algoritmo sua espinha dorsal, pois é a partir desse processamento que os aspectos comunicacionais de linguagem e interação produzem uma dinâmica social da vida contemporânea em rede.

Se a multidão vibra e causa ruídos, causando o turbilhão que gera até revoluções, quem seriam os agentes que geram formas perspectivas durante manifestações? Quem participa dessa batalha, ora ingovernável no campo cibernético, gerando hashtags temáticas, comunidades, que são essas relações que geram relações?  Mundos que moldam mundos? Afinal, esse homem que não cessa de inventar mundos possíveis, tem na internet associações infinitesimais; o Outrem (DELEUZE, 2009) como expressão política, pois reivindica o Outro como condição de existência. No entanto, nossa sociedade pergunta-se: seriam as nossas vidas tão mediadas por uma relação humano-humano quanto por uma relação humano-máquina? O algoritmo pode ser considerado como um agente autômato capaz de induzir ações, fenômenos e engajamentos? Ou seriam as forças incidindo nesse sistema algorítmico? Podem essas novas mediações revolucionar os processos comunicacionais na sociedade em rede? Afinal, quais são as implicações da cultura da algoritmização da vida? Uma questão da economia das plataformas nos ambientes digitais é a extração de valor da circulação de bens e conteúdos. O que nos leva ao problema atual sobre a transparência na monetização em ambientes organizados por algoritmos regidos de acordo com “o quanto se paga”.

 

As abstrações do algoritmo: um paradigma comunicacional na sociedade em rede

Os algoritmos são rotinas computacionais criadas por seres humanos que podem aprender tarefas sozinhos, considerados assim automáticos ou semiautomáticos (MARKHAN, 2016). Definitivamente, estão em nossas vidas e tem um impacto significativo no modo de existência em rede contemporâneo. Um algoritmo em sua forma mais básica é uma sequência programada de códigos que dá instruções para um software tomar certas decisões baseado em determinadas entradas (inputs). Hoje em dia quase qualquer um pode programar um pedaço de código computacional e acionar tarefas simples online. Os algoritmos podem inclusive comunicar-se entre si e se ajustar para realizar essas tarefas de modo mais eficiente.

Domingos (2015) explica que os algoritmos estão cada vez mais em nossas vidas e seria um tremendo erro negar a importância dessa ferramenta em nosso cotidiano. Essas rotinas computacionais, e as chamadas máquinas inteligentes nos observam, nos imitam e tentam experimentar com nossas atividades diárias. Os algoritmos nos ajudam a encontrar os filmes de nossa preferência no Netflix com base no histórico do último mês de filmes assistidos; os livros que podem nos agradar a partir do nosso grupo de leitura no Google Reads; nossa lista de música pode ganhar novidades a partir do cruzamento das rádios que mais escutamos no Spotify; nossos investimentos podem ser melhor gestados de acordo com os dados da bolsa de valores que chega no celular; as possibilidades são tantas e variam de acordo com as nossas associações com o nosso ambiente informacional. Segundo o autor, cada vez mais os algoritmos aprendem e funcionam em plena capacidade organizacional computando os rastros digitais. Em suma, universidades e laboratórios de pesquisa com cientistas de áreas desde a medicina até a comunicação trabalham juntos para criar um algoritmo quase perfeito, aquele capaz de aprender como uma criança e descobrir novos conhecimentos com as informações que chegam até a máquina. Com isso tornar-se inteligente e realizar tarefas – sem que seja necessário a solicitação – úteis e suficiente competente aos humanos.

O capitalismo contemporâneo, também chamado de capitalismo pós-industrial (LAZZARATO, 2014), coloca novos desafios no campo do trabalho e da produção. Principalmente no campo da comunicação, o trabalho imaterial surge como hegemônico na circulação social da produção. O trabalho imaterial é caracterizado pela força de trabalho como condição rica de capacidade e de criatividade, cujo valor de uso é tranquilamente expresso por meio de um modelo comunicacional. Nesse sentido, a sociedade pós-fordista tem algumas características, como a transformação integral do trabalho em imaterial e a força de trabalho no que Marx chama de intelectualidade de massa (o general intellect). A intelectualidade de massa faz emergir um sujeito social e politicamente hegemônico. Não significa falar no surgimento de intelectuais no sentido strictu senso. Lazzarato e Negri (2001) inserem essa atividade intelectual num exercício de formação ou na comunicação, seja em projetos industriais e técnicas de relações políticas, podem ser muitas as aplicações, de todo modo, esse sujeito intelectual não mais pode ser separado da máquina produtiva.

Depois da Segunda Guerra, a natureza numérica do capital integrou-se à natureza numérica da computação. Para Pasquinelli (2015), aparece o chamado “capitalismo de Turing”, algo capaz de codificar qualquer forma de conhecimento e trabalho em padrões de dados demonstrando o fenômeno da automação cognitiva em escala global. Ele ainda questiona sobre quem seriam os responsáveis pela ideia de abstração na era da inteligência maquínica. A preocupação está aqui com a noção de comum, já que na sociedade do conhecimento e da financeirização, o capital emerge como um modo de computação. O autor reflete sobre como as pessoas tornaram-se propriedade no modo contemporâneo matematizado, sendo assim, nessa dinâmica capitalística maquínica o dinheiro estaria “dentro” de nós.

O paradigma comunicacional, como aponta Negri (1993), age numa dimensão do trabalho e da produção social. As forças produtivas do saber e da comunicação incidem, quase que exclusivamente, sobre o mundo da comunicação. A relação entre a mídia e público nas democracias ocidentais é mediada por grandes oligopólios de empresas de comunicação. Nesses processos de mediação, elimina-se da linguagem sua dimensão ético-política, poética e crítica, a esvaziando de subjetividade. Compreendo que a identidade é apenas o começo de um movimento atual de captura e comercialização das subjetividades pelas empresas de informação e redes sociais. E, agora que sabemos que os algoritmos condicionam modos de organizar coletivamente a cultura, a sociabilidade e a subjetividade, o que vamos fazer com isso?

 

Referências

CORMEN, T. H.; LEISERSON, C. E.; RIVEST, R. L.; STEIN, C. Introduction to Algorithms (3rd ed.). MIT Press and McGraw-Hill. 2009.

DELEUZE, G. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2009.

DOMINGOS, P. The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning Machine Will Remake Our World. New York: Basic Books, 2015.

LAZZARATO, M. Signos, Máquinas, Subjetividades. São Paulo: N-1, 2014.

_____. As Revoluções do Capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

PASQUINELLI, M. Capitalismo maquínico e mais-valia de rede: Notas sobre a economia política da máquina de Turing. Lugar Comum: Estudos de mídia, cultura e democracia, UFRJ, n. 39, jan-abr, pp. 13-36, 2013.

______. Anomaly Detection: The Mathematization of Abnormal in the Metadata Society. Conferência na Universidade de Utrecht, Berlim, 2015.

______. Capital Thinks too: The idea of the Common in the Age of Machine Intelligence. In: Open!, 2015.

______. The Spike: On the Growth and Form of Pattern Police. Catálogo Exibição Nervous System. No prelo.