#Dobras 10 // Economia da atenção: um duplo vínculo com a produtividade e o consumo

12 de julho de 2018

Por Anna Bentes

“O que poderia ser o recurso mais escasso e mais valioso em uma época marcada pelo excesso de informação? Parece que não há dúvidas de que o que todo mundo mais deseja e o que é sempre sentido como escasso é a atenção.” (Caliman, 2006, p. 47)

Uma das primeiras menções mais específicas ao que seria a Economia da Atenção é atribuída ao economista Herbert Simon em uma conferência de 1969, na qual ele assertivamente afirmou que a riqueza de informação significaria a escassez do que a informação consome de seus destinatários: a atenção. Em meados da década de 1990, esta noção é retomada de forma mais enfática por uma série de teóricos (Golhaber, 1997; Franck, 1998; Davenport & Beck, 2001; Caliman, 2012; Citton, 2016) que buscaram defender que estaríamos vivendo em uma época na qual a lógica monetária estaria sendo substituída pela atentiva.

Embora compreendida de forma bem variada, a ideia de uma nova Economia da Atenção tem sido usada no universo empresarial como uma ferramenta analítica e prática, ganhando ainda mais força nos modelos de negócio de empresas de tecnologia ao longo das primeiras décadas do século XXI.

No entanto, o reconhecimento do valor econômico da atenção já havia sido identificado em diferentes campos e práticas desde meados do século XIX. Em seu livro Suspensões da Percepção, o historiador da arte Jonathan Crary nos conta como atenção passa a ser tomada como um problema sociocultural e científico a partir das transformações nas sociedades modernas. Segundo ele, parte da lógica cultural do capitalismo implica que aceitemos como natural a mudança rápida da nossa atenção, constituindo um regime de atenção e distração recíprocos para o observador. Entendida como um fenômeno psicofisiológico, a atenção passa a ser estudada, medida, quantificada e manipulada de modo que sua gestão estivesse alinhada aos investimentos disciplinares e industriais. Junto à ascensão do valor econômico da atenção, a desatenção passa a ser vista como um perigo a ser controlado e evitado.

Se, por um lado, os investimentos por uma gestão eficiente da atenção nas instituições disciplinares estabeleceram um vínculo histórico entre atenção e produtividade, por outro, o crescimento das ofertas de produtos, tecnologias de comunicação, formas de entretenimento e publicidade vincularam a necessidade da captura da atenção ao consumo.

Em seu livro The attention merchants (2016), o professor da Columbia Law School Tim Wu argumenta que a condição contemporânea na qual nossa atenção é ininterruptamente capitalizada é efeito do fortalecimento de uma indústria dos “comerciantes da atenção”, isto é, aqueles responsáveis pelo desenvolvimento de modelos de negócios nos quais a captura da atenção dos consumidores é o produto a ser revendido a anunciantes publicitários. Para ele, um dos primeiros comerciantes da atenção foi Benjamin Day, o criador do jornal sensacionalista New York Sun em 1833. A contrapelo dos modelos de jornal dominantes na época, Day tem a ideia de vender seu jornal a um preço significativamente mais baixo do que outros, priorizando assuntos que chamassem a atenção dos seus leitores e para então revender essa atenção para espaços de propaganda a anunciantes.

Este modelo de comercialização da atenção se intensificou ao longo do século XX com a invenção do horário nobre, a expansão das mídias de massa, da valorização do espetáculo e do culto às celebridades até se atualizar na virada do século XXI nos modelos de serviço das tecnologias digitais, em especial, as redes sociais.

Você já deve ter ouvido aquela máxima sobre serviços gratuitos na internet: “se você não está pagando por um serviço, você provavelmente é o produto”. Pois bem, na verdade, você está pagando o serviço não financeiramente, mas com a sua atenção, seu tempo e todos os rastros gerados a partir de sua ação dentro dessas plataformas. Assim, a sua atenção é constantemente disputada por diferentes tecnologias e serviços que dependem da acumulação de seus tão estimados dados para revendê-los a terceiros e agir sobre o seu comportamento. E mesmo que você esteja pagando o serviço, nesta economia, sua atenção continua extremamente requisitada. Como é o caso da Netflix, por exemplo, que, segundo o CEO da empresa, entres seus maiores competidores estão principalmente o Facebook, o Youtube e o sono[1].

Justamente por isso, tais empresas desenvolvem diferentes estratégias para que você preferencialmente nunca deixe seus serviços: diferentes tipos de notificações, os feeds infinitos com conteúdos sempre desconhecidos e possivelmente interessantes, mecanismos de autoplay, likes, comentários, os históricos de mensagens, de links, de fotos e de vídeos…. Todos esses recursos, amplamente distribuídos pelas redes sociais que nos são tão familiares, são cuidadosamente desenhados para capturar a sua atenção de modo que você passe o máximo de tempo possível conectado a esses serviços interagindo, produzindo e consumindo conteúdo. Assim, com as tecnologias digitais, a Economia da Atenção hoje capitaliza a atenção fundamentalmente enganchando e engajando seus usuários em suas plataformas.

 

Segundo o relatório Digital in 2017 Global Overview[2]o Brasil está classificado entre esses primeiros países que gastam mais horas na internet, atingindo uma média diária de 8h56min de conexão, sendo cerca de 4h59min em computadores, 3h56min em celulares e 3h43min em redes sociais.

 

Embora imersos nesse oceano de distrações, a necessidade de nos mantermos 24/7[3] produtivos, eficientes, proativos e criativos no universo do trabalho está se tornando cada vez mais intensa, já que acima de tudo precisamos buscar o sucesso pessoal e profissional em um mundo extremamente competitivo. Diferente da lógica moderna disciplinar, na qual o imperativo era se adequar às normas sociais, hoje, a palavra de ordem é a superação (Ferraz, 2013). E para superar a si mesmo e aos seus concorrentes, nada mais eficaz do que uma autogestão otimizada da atenção. Um empreendedor bem-sucedido é aquele que consegue gerir sua atenção de forma eficiente, maximizando sua produtividade e sua autodisciplina para superar suas dificuldades na busca por autonomia, autenticidade e realização.

Portanto, entre as disputas por uma autogestão otimizada e de sua constante captura para o consumo de variados produtos, serviços, informações e conteúdos, a atenção se configura como um recurso extremamente escasso, valioso e disputado. Diante dessa feroz competição pela nossa atenção e infinitas formas de distração, a economia atencional traz desafios complexos aos nossos modos de ser contemporâneos, tendo como efeito diferentes formas de sofrimento, angústia e patologias. Embora a gente tenda a pensar que os problemas da distração e da falta de foco sejam questões individuais, é preciso prestar atenção aos processos históricos, sociais, culturais, econômicos e políticos mais amplos para elaborarmos coletivamente como iremos gerir nosso tempo e a nossa atenção. Afinal, para onde queremos direcionar coletivamente nossa atenção?

 

Referências bibliográficas

BRENNAN, Teresa. Globalization and its terrors: daily life in West. Londres: Routledge, 2003.

CALIMAN, Luciana Vieira. A biologia moral da atenção: a constituição do sujeito (des)atento. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 2006.

__________. Os valores da atenção e a atenção como valor. Estudos e pesquisas em Psicologia [online], vol 8, n3, pp.0-0. ISSN 1808-4281, 2008.

__________. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arq. bras. psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 64, n. 1, p. 02-17, abr,  2012.

CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto: 2012.

________. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

________. Spectacle, attention, counter-memory. October, Vol. 50, p.97-107, 1989.

________. 24/7 – Capitalismo e os fins do sono. São Paulo: Contraponto, 2014.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo.  Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2010a.

_________. The weariness of the self: diagnosing the history of depression in the contemporary age. McGill-Queen’s University Press, 2010b.

EYAL, Nir. Hooked: how to built habit-forming products. New York, NY: Peguin Group, 2014.

FERRAZ, Maria Cristina Franco. Mutações da subjetividade contemporânea: performance e avaliação. Caderno de Psicanálise – CPRJ, Rio de Janeiro, v.36; n30, p. 31-41, jan/jun, 2014.

FRANCK, Georg. The economy of attention. Telepolis, dezembro, 1999. Disponível em < https://www.heise.de/tp/features/The-Economy-of-Attention-3444929.html > Acesso em 23 abril de 2017.

GOLDHABER, Michael H. The Attention Economy and the Net, 1997. Disponível em:<http://www.well.com> Acesso em 15 de dezembro de 2017.

FREIRE, João (Org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

LIMA, Rossano Cabral. Somos todos desatentos? O TDA/H e a construção de bioidentidade. Rio de Janeiro : Relume. Dumará, 2005.

PELBART, Peter Pál. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N-1 Edições, 2013.

ROSE, Nikolas. Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

____________. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

 

[1] Ver mais em: https://www.fastcompany.com/40491939/netflix-ceo-reed-hastings-sleep-is-our-competition

[2] Ver mais em: https://homejobshub.com/2022/09/23/companies-that-hire-for-call-center-work-from-home-jobs/

[3] 24/7 é o termo utilizado por Jonathan Crary para caracterizar a temporalidade própria das sociedades contemporânas, que é definida por um princípio de funcionamento contínuo (Crary, 2014).