#EstamosLendo_3 // Crítica da Razão Negra, Achille Mbembe

7 de maio de 2021

Por Debora Pio

Achille Mbembe é um historiador camaronês e sua obra tem sido cada vez mais discutida no mundo inteiro. Autor do ensaio “Necropolítica” (2016), que fez grande sucesso no Brasil, ele é um dos principais expoentes do pensamento decolonial e das teorias da diáspora, conceitos em ascensão. 

Em “Crítica da Razão Negra” (2013),  Mbembe propõe uma reflexão sobre o século XXI, onde a Europa deixa de ser o centro de pensamento do mundo e abre, assim, novas possibilidades de pensamento crítico a partir de outros lugares. O livro aborda três momentos fundamentais que ancoram a “razão negra“: o tráfico atlântico, onde os homens viraram homens-objeto, homens-mercadoria e homens-moeda; o acesso à escrita, quando negros começam a articular uma linguagem para si e, por último, a globalização dos mercados, que funciona sob a égide do neoliberalismo. 

De acordo com o livro, a ideia do Negro enquanto subalterno surge ainda época das grandes navegações, no século XV. Quando os Europeus começam a explorar um “novo mundo”, precisam escolher sujeitos para serem “outros”. O Negro seria um exemplo total do “ser-outro”, um símbolo de inferioridade que, de acordo com o ideal colonialista, devia ser ajudado e protegido. Neste contexto, a África seria um símbolo de uma vida vegetal e limitada.

“Negro é aquele que vemos quando nada se vê, nada compreendemos e, sobretudo, quando nada queremos compreender.” 

A razão negra designa tanto um conjunto de discursos como de práticas – um trabalho cotidiano que consistiu em inventar, contar, repetir e pôr em circulação fórmulas, textos, rituais, com o objetivo de fazer acontecer o Negro enquanto sujeito de raça e exterioridade selvagem, passível, a tal respeito, de desqualificação moral e de instrumentalização prática. Para Mbembe, na Europa, “negro” e “raça” nunca foram elementos congelados. Muito pelo contrário, sempre fizeram parte de um encadeamento de coisas, elas próprias nunca acabadas.

Ao longo dos séculos, através da educação, da arte, da política, etc na Europa, o negro continuou sendo objeto deste tipo de construção de imaginário equivocado, onde ele ocupa apenas o lugar de servidão e sofrimento. Chegando ao século XXI, a raça continua sendo uma ferramenta para criação de tecnologias de exclusão, materializadas sobretudo pelo neoliberalismo, que viabiliza práticas como vigilância extrema, violência e expulsão de territórios.

Isto tudo, porém, não ocorreu sem que uma vasta gama de insurreições capitaneadas pelo negro também tivessem relevância. Mbembe fala que se deve à Revolução Haitiana (1850) uma das mais radicais constituições do novo mundo. Apesar do desejo de apagamento e fragmentação desta história das insurreições, elas continuam sendo um elemento de identidade possível e desejo de continuidade do negro.

O texto diz que o desafio de reconstruir uma identidade negra passa pela superação do ideário escravista. Retirar a Europa do centro e pensar a partir da África. Para Mbembe, um futuro livre da ideia de “raça” só é possível por meio da justiça, restituição e reparação. 


Em 2020, já no mundo da pandemia, Mbembe deu uma entrevista para a Flup, onde fala sobre inventar um futuro negro e pensar a partir da África. O vídeo está disponível no Youtube.

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