// O que os áudios acelerados no WhatsApp nos mostram sobre nossos modos de viver?

4 de junho de 2021

Por Manuella Caputo

Recentemente, o WhatsApp lançou um recurso para a aceleração em até o dobro da velocidade dos áudios enviados pelos usuários na plataforma. No Brasil, o aplicativo está instalado em nada menos que 99% dos smartphones, e desse grupo, 95% dos usuários afirmam acessar o app todo dia (Panorama Mobile Time/Opinion Box, 2020). 

Por aqui, a nova ferramenta dividiu opiniões: houve quem logo se preocupou com o que isso significava dentro do contexto de vida corrida em que nos encontramos; quem achou esse tipo de crítica irrelevante e apenas apreciou a possibilidade de ouvir aqueles áudios longos ou arrastados de forma rápida; e houve ainda quem fosse partidário das duas opiniões ao mesmo tempo.

Áudio acelerado no WhatsApp: um sintoma de nossos tempos?

O áudio no WhatsApp não foi a primeira nem será a última mídia que vamos transformar a velocidade natural para consumir. Sabemos que a prática é comum, existe até extensão que nos permite acelerar qualquer vídeo que assistimos no navegador. Quem nunca assistiu uma videoaula ou palestra acelerada no Youtube? Por último, o recurso chegou à Netflix, o que gerou polêmica envolvendo até mesmo diretores de cinema.

 Vivemos na era da economia da atenção: estamos submersos em um mar de estímulos e nos falta tempo e atenção para consumir todos eles, pois sempre queremos mais. Dessa forma, a atenção se torna um recurso escasso. Vencem os serviços que conseguirem enganchar e engajar seus usuários da forma mais eficiente.

A pesquisadora do MediaLab.UFRJ Anna Bentes é doutoranda em Comunicação e Cultura e investiga os processos da economia da atenção. Ela explica: “Em meio a uma disputa econômica pela nossa atenção, a nova ferramenta do WhatsApp, assim como similares em outras plataformas, mostra bem o paradoxo que a economia da atenção e da temporalidade 24/7 nos coloca. Por um lado, ela é anunciada como algo que promete ajudar na autogestão da nossa atenção, economizando nosso tempo; por outro, ao economizar o tempo do usuário quando recebe mensagens longas, a plataforma implicitamente pretende abrir mais tempo para o consumo de outros conteúdos no próprio aplicativo”. 

“Neste gesto ambíguo, a ferramenta reforça que é preciso estar ao mesmo tempo gerindo de forma otimizada e produtiva a atenção, bem como consumindo e respondendo às infinitas distrações colocadas pelas tecnologias digitais. Assim, seguimos com a nossa atenção continuamente disputada, tentando atender aos inalcançáveis ritmos hiperacelerados na vida contemporânea”, conclui Bentes.

Acelera áudio quem quer – ou quase isso

Quando você recebe um áudio no WhatsApp, é só dar o play que a imagem do seu contato será substituída por um balãozinho onde você pode escolher se quer ouvi-lo nas velocidades 1x, 1.5x ou 2x. Então, se você não gostou da ferramenta, é só ignorá-la, certo? 

Mas às vezes é difícil resistir. É comum que não aprovemos de primeira uma atualização nos apps, e quando nos damos conta, já a estamos utilizando diariamente. Isso não é por acaso. O autor Jonathan Crary, pesquisador da formação da cultura visual contemporânea, nos deixa algumas explicações em seu livro “24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono”.

Crary conta como nos é tentador se alinhar a uma “sequência de consumo contínua, baseada em promessas de maior eficiência”. Queremos que nossa vida acompanhe o ritmo dos aplicativos, dispositivos ou redes disponíveis. E por quê? Segundo o autor: “Submeter-se a esse arranjo se torna quase irresistível devido ao temor do fracasso social e econômico – medo de ficar para trás, de ser considerado antiquado”.

Por fim, cada um de nós carrega individualmente essa pressão para ser moderno, produtivo, eficiente. Esse é um aspecto essencial ao sujeito neoliberal descrito pelo filósofo Byung-Chul Han no livro “Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder”. A exploração não se dá apenas no trabalho, como em todas as áreas da vida: nossa atenção total é demandada.