#Estamos Lendo_7 // Unthought: The Power of the Cognitive Nonconscious, Katherine Hayles
27 de agosto de 2021Por Paula Cardoso Pereira*
“Há pensamento, mas antes disso ele é impensado: um modo de interagir com o mundo enredado no ‘presente eterno’ que sempre escapa ao alcance tardio da consciência”. A partir de afirmações instigantes como essa, que figura já no início de seu Unthought: The Power of the Cognitive Nonconscious (2018), Katherine Hayles aponta para a existência de uma instância que não pertence nem ao domínio da consciência nem do pensamento, mas que para ela é essencial para compreender o funcionamento dos processos cognitivos biológicos e técnicos e, sobretudo, o modo como se cruzam na atualidade. O que a autora de livros como How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics (1999) e My Mother Was a Computer (2005) denomina de “impensado” ou “cognitivo não-consciente” se refere a descobertas recentes da neurociência que confirmam “a existência de processos cognitivos não-conscientes inacessíveis à introspecção consciente, mas que, no entanto, são essenciais para o funcionamento da consciência.” (p. 1). O argumento de Hayles, que há décadas ensina e escreve sobre as relações entre literatura, ciência e tecnologia nos séculos XX e XXI, é que a maior parte da cognição humana ocorre fora do eixo consciente/inconsciente. Enquanto o pensamento envolveria raciocínio de alto nível, frequentemente utilizando a linguagem, a cognição para Hayles designaria uma faculdade mais ampla e que está presente em algum grau em todas as formas biológicas e sistemas técnicos; inclui tanto animais e plantas quanto algoritmos. Para a autora, a comparação entre a cognição não-consciente em formas biológicas e computacionais não significa que os processos sejam idênticos, mas que essa instância desempenha funções semelhantes em sistemas humanos e técnicos complexos.
Na teoria da cognição que Hayles propõe, a interpretação e a escolha exercem papel fundamental. Para ela, a “[c]ognição é um processo que interpreta informações em contextos que as conectam com significado” (p. 22). É a capacidade de realizar (ou não) esse processo que diferencia aquilo que chama cognoscentes e não-cognoscentes. Cognoscentes são atores, biológicos ou técnicos, capazes de interpretar e fazer escolhas. Desse ponto de vista, a cognição é concebida como um processo ao invés de uma entidade e é inerentemente dinâmica e transformativa.
Ao enfatizar o cognitivo não-consciente, Hayles não pretende ignorar o lugar do pensamento consciente, frequentemente visto como uma característica definidora dos humanos, mas ativar um olhar atento e curioso aos processos e capacidades cognitivas de outros seres biológicos e dos sistemas técnicos, assim como ao modo como interagem juntos no que chama de agenciamentos cognitivos.
Fazendo coro a outras teorias que superam o excepcionalismo humano, Unthought traz um interessante marco conceitual para analisar a atual ecologia cognitiva planetária e os novos agenciamentos cognitivos técnicos-humanos, cuja existência e complexidade exige que repensemos suas implicações epistemológicas e éticas.
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* Paula Cardoso Pereira é pesquisadora do MediaLab.UFRJ, doutoranda Comunicação e Cultura pela UFRJ e bolsista do CNPq.