DOBRAS #54 // USO ELEITORAL DO TIKTOK NA DISPUTA PRESIDENCIAL (ENTREVISTA)

15 de junho de 2022

Em entrevista ao jornalista Alan Rios para o R7, Paulo Faltay[1]Paulo Faltay é Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, pesquisador do MediaLab e da Lavits discorreu sobre o uso eleitoral do TikTok na disputa presidencial deste ano. Parte da entrevista pode ser lida na matéria “Formato do TikTok favorece uso da rede como estratégia para atingir eleitor jovem” https://noticias.r7.com/brasilia/formato-do-tiktok-favorece-uso-da-rede-como-estrategia-para-atingir-eleitor-jovem-29052022

Neste Dobras, publicamos a entrevista completa.

Alan Rios: Antes de tudo, é certo que eleições hoje são impactadas por redes sociais em diferentes países do mundo. Na sua visão, qual a proporção desse impacto e como ele acontece?

Paulo Faltay: Sem dúvida as redes sociais passaram a ter papel central nas campanhas políticas, nas decisões de voto e na própria cultura política ou forma de fazer política. Mas há muita mistificação em torno do quanto elas impactam e do quão decisivas elas são. Eu sempre costumo falar, usando o exemplo da eleição presidencial de 2018: “Jair Bolsonaro seria eleito sem as redes sociais e, em especial, sem o WhatsApp?” Não. Entretanto, podemos afirmar que foram as redes sociais ou o WhatsApp que elegeram Bolsonaro? Também não. Ou ao menos não temos elementos para afirmar isso. O que eu quero dizer? Que as redes sociais e a comunicação são elementos centrais de uma campanha, mas elas não existem por si só, elas estão inseridas dentro de um contexto social e de uma conjuntura política que vai favorecer determinado candidato e a circulação e aderência do conteúdo de determinada candidatura. 

Além disso, elas não são elementos isolados do ecossistema midiático e informativo. Cabe lembrar que muito se falou sobre o papel determinante e preponderante do Facebook e da Cambridge Analytica na eleição de Donald Trump em 2016. No entanto, uma pesquisa detalhada dos pesquisadores Yochai Benkler, Rob Faris e Hal Robert, do Berkman Klein Center, da Harvard, que está detalhada no livro Network Propaganda, mostrou que a Fox News foi bem mais importante para a propaganda e para a comunicação trumpista que o Facebook. 

Neste sentido, é importante também pontuar que há um processo que chamamos de canalização. Que aponta que as pessoas não simplesmente acreditam ou são convencidas somente por conteúdos que recebem de um único canal. É preciso que aquela mensagem seja confirmada em maior ou menor grau em outros canais de informação, como a mídia tradicional, ou em conversas com outras pessoas e figuras de autoridade. Ou seja, as pessoas tendem a acreditar ou serem convencidas da validade de uma informação ou argumento o quanto menos elas são expostas a uma informação contraditória ou diferente.

Em resumo: as redes sociais são centrais hoje em campanhas eleitorais e no debate político, mas não são ferramentas mágicas. Um exemplo factual foi a eleição para prefeito de São Paulo em 2020. Guilherme Boulos teve muito mais presença digital e um número de interações nas redes em um número exponencialmente maior que Bruno Covas. Entretanto, o resultado final foi 60×40 para o Covas. 

 

Alan Rios: Dentro do universo dessas redes, nós temos o TikTok, uma plataforma de vídeos curtos que chegou a superar o Facebook em tempo gasto pelo usuário. Na sua opinião, como que o cenário político atual, no âmbito nacional, e o contexto social brasileiro podem ser relacionados com o crescimento do uso do TikTok por candidatos? Fatores como a polarização política, o embate mais focado em nomes do que em propostas, a rejeição de grande parte da sociedade à política tradicional e outros podem ser citados?

Paulo Faltay: Salvo situações específicas e exceções, como no caso do Telegram, em que Bolsonaro, os filhos e políticos e influencers bolsonaristas incentivaram o uso, o caminho se dá da seguinte forma: uma rede social passa a ser popular e os políticos passam a mirá-la e usá-la. Afinal, eles vão atrás de onde potenciais eleitores estão. 

Sobre a rejeição à política tradicional, um fenômeno interessante foi apontado pela pesquisa “Juventude e Democracia na América Latina” conduzida pela socióloga Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha. O estudo, realizado em quatro países – Brasil, Argentina, Colômbia e México -, mostrou que os jovens se informam sobre política por meio de canais supostamente não politizados. Elas constataram, por entrevistas, que os jovens se informam e formam a sua opinião a partir de celebridades, artistas e personalidades que seguem nas redes. Entretanto, estes jovens rejeitam tentativas diretas e explícitas desses influenciadores de partidarizar ou tentar politizar o público. 

Neste sentido, o TikTok aparece como uma rede interessante a ser utilizada pelas campanhas deste ano. Tanto pelo público de usuários, em sua maioria formado por jovens, quanto pelo formato de conteúdo que oferece: vídeos rápidos, chamativos em tom despojado e debochados, como nas danças e memes, que fogem tanto do tradicional “textão”, quanto das mensagens políticas de aplicativos de mensagem, um tipo de conteúdo que já vem sendo identificado como extremamente partidário e parcial. Há outro elemento que é importante destacar sobre a plataforma além do formato, que é a passagem automatizada muito rápida de um conteúdo a outro, com uma curadoria algorítmica. Isso influencia porque através do TikTok há a possibilidade de atingir um público mais desavisado sobre a política, que não está acompanhando tão diretamente.

 

Alan Rios: Entre os dois pré-candidatos com maiores intenções de votos nas pesquisas, Lula e Bolsonaro, observamos opostos distintos também no TikTok. Enquanto o atual presidente tem uma conta ativa verificada com mais de um milhão de seguidores, o ex-presidente ainda não tem uma conta verificada, apenas anunciou que terá em breve. Há alguma particularidade dessa rede que favoreça o discurso de Bolsonaro e afaste, até aqui, a presença de uma equipe de comunicação de Lula?

Paulo Faltay: O que observamos é um investimento maciço de Bolsonaro e do bolsonarismo em ocupar e produzir conteúdo nas redes desde de que era candidato. Tanto como forma de propaganda, quanto  instrumento de governo mesmo. O que quero dizer: o bolsonarismo usa as redes como instrumento de mobilização e pressão permanente para pautar temas de seu interesse, e usa também como forma de atacar e constranger outros atores políticos. É relatado que muitos atores políticos agem ou deixam de agir calculando se podem se tornar alvo de ataque da rede bolsonarista. 

Por outro lado, talvez as contas oficiais não sejam o melhor termômetro para avaliar a presença digital e o poder de engajamento de uma campanha. Muitos dos conteúdos que viralizam são produzidos de forma orgânica e por pessoas comuns. Porém, isso não quer dizer que surgem espontaneamente. Neste sentido, o bolsonarismo me parece ter uma estratégia mais organizada e mais sistemática. Qual é ela? Estar pautando constantemente, até mesmo diariamente, um tema de seu interesse. E como isso é feito? Tanto pelas manifestações diárias do próprio presidente, como por exemplo o que ele fala no cercadinho e em eventos ou lives, mas também em assuntos que são puxados pelos políticos e pelos chamados influencers bolsonaristas, pessoas que possuem um grande número de seguidores. Ou seja, eles dão “a senha” ou a deixa para qual assunto deve ser discutido e reverberado, qual argumento deve ser utilizado em determinada discussão, etc. E esse conteúdo passa a ser replicado pelos apoiadores do presidente, tanto nas redes, como nos aplicativos de mensagem e mesmo em conversas presenciais. É uma estratégia de sempre manter em evidência um tema que os interessa, a partir de um ângulo argumentativo que o favoreça. Agora, isso funciona para o Tik Tok e para outras plataformas.

 

References

References
1 Paulo Faltay é Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, pesquisador do MediaLab e da Lavits