#ESTAMOS LENDO_10 // PESQUISANDO PLATAFORMAS ONLINE: CONCEITOS E MÉTODOS, CARLOS D’ANDREA

3 de junho de 2022

Por Mariana Campos Carvalho*

 

“Ao assumir como premissa que artefatos tecnológicos e práticas sociais se coproduzem, os Estudos de Plataforma postulam que devemos evitar usar termos como “impacto tecnológico” e voltar nossa atenção para os modos como, em meio a um complexo e assimétrico jogo de poder, os usuários e as materialidades se constituem mutuamente.” 

Os Estudos de Plataforma têm se desenvolvido na última década e contribuído para pesquisas de fenômenos complexos que muitas vezes eram investigados através de diferentes perspectivas teóricas, sem categorias comuns de análise. Com uma filiação aos Estudos de Ciência e Tecnologia, a percepção de muitas/os autoras/es desse campo é de que diversos trabalhos são realizados sobre fenômenos socioculturais que se dão numa ambiência digital, sem uma dedicação específica  à análise de aspectos materiais e políticos do próprio ambiente digital, centrado cada vez mais nas “plataformas”.

A maioria das pesquisas deste campo não propõe, no entanto, a fundação de uma “nova teoria” propriamente, mas a articulação proveitosa de diferentes abordagens, como os estudos de software, estudos culturais, direito, economia política, dentre outros, para estudar fenômenos que ocorrem no contexto digital complexificado pela predominância das plataformas[1] Referências do campo como José Van Dijck, Thomas Poell e de Martijn De Waal nomeiam, inclusive, a sociedade contemporânea como “sociedade da plataforma” (2018).

No Brasil, o trabalho do pesquisador e professor Carlos d’Andrea tem sido essencial na formação dos Estudos de Plataforma. Carlos d’Andrea é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do grupo de pesquisa R-EST – estudos redes sociotécnicas. Em 2017/2018 foi pesquisador visitante no Departamento de Media Studies da Universidade de Amsterdam (bolsa CAPES de Pós-Doutorado no exterior), onde trabalhou com pesquisadores referências da área e pôde tecer diálogo frutífero entre estudos brasileiros e estrangeiros.  

Carlos publicou, em 2020, o livro “Pesquisando plataformas online: conceitos e métodos” na Coleção Cibercultura, parceria entre o Lab404 – Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia e a Editora EDUFBA. As publicações são gratuitas e disponíveis para baixar. 

O livro encontra-se aqui

Com a proposta de introdução didática à perspectiva analítica dos Estudos de Plataforma, o autor cumpre papel importante ao apresentar conceitos e categorias de modo contextualizado e bem articulado, traçando suas conexões históricas e perspectivas afins. 

O livro se divide em três partes:

Capítulo 1 – Por que (e o que são) plataformas?

Situa os Estudos de Plataforma, apresentando sua filiação aos Estudos de Ciência e Tecnologia (STS), esclarece especificidades conceituais importantes como “redes sociais” e “plataformas”, revisando o último a partir de suas modificações ao longo do tempo. Por fim, define o conceito central de “plataformização” e discorre sobre a proposição de uma “sociedade da plataforma”.

Capítulo 2 – Des(re)montando plataformas

Nos apresenta cinco dimensões fundamentais das plataformas: datificação e algoritmos (introduz questões singulares das plataformas como Big data, dataísmo, aprendizagem de máquina, APIs); infraestrutura (concentra-se nos recursos materiais e investimento das grandes empresas, os oligopólios e seus papéis nas mediações tecnológicas e econômicas); modelos de negócios (discorre sobre as transações comerciais através de anúncios publicitários na dinâmica de datificação); governança (problematiza a autorregulação das plataformas e suas ações de controle e circulação de conteúdos); práticas e affordances (destaca a negociação entre as funcionalidades das plataformas e as apropriações dos usuários). 

Capítulo 3 – Como pesquisar plataformas?

Debate as complexidades quanto aos métodos de investigação das plataformas. Assume de partida que a instabilidade da plataforma é parte do problema de pesquisa e deve, portanto, ser incorporada como questão norteadora da pesquisa e não como um prejuízo impertinente a sua realização. Aliado ao conceito de “controvérsia”, sugere dois caminhos metodológicos. Um deles, nos casos em que as próprias plataformas desencadeiam as controvérsias, seria trabalhar com as transformações das políticas de governança das empresas, a partir dos seus modelos de negócio e propostas de mediação algorítmica, através de documentos como comunicados oficiais, reportagens, patentes, manuais. Já no caso em que as plataformas não protagonizam a controvérsia, mas são a ambiência em que agem fundamentalmente outros atores, a proposta é de se orientar pelos Métodos Digitais, que enfrentam os problemas a partir do tensionamento das lógicas próprias dos ambientes digitais.   

Em seus apontamentos finais, o autor pede atenção ao uso generalizado do conceito de “plataformização” e um cuidado redobrado para compreensão das especificidades de serviços de variados setores, assim como à diversidade de público e diferenças fundamentais entre localidades e países. Tempo e espaço devem ser sempre considerados. Carlos explicita que os Estudos de Plataforma não reivindicam uma autossuficiência, mas uma aposta  na incorporação, interseção e inflexões de diferentes campos. 

O livro é muito indicado para ser trabalhado em disciplinas de graduação e como apresentação dos Estudos de Plataforma a pesquisadoras/es com diferentes formações em programas de pós-graduação e grupos de estudos, mas vai além de um primeiro contato e proporciona boas reflexões mesmo para quem já se dedica a analisar diferentes plataformas e desenvolve estudos com métodos e conceitos desdobrados dos Estudos de Ciência e Tecnologia, Teoria Ator-Rede e perspectivas diversas das tecnologias de comunicação, mídias e métodos digitais. 

Com ótima capacidade de síntese e escrita apurada, o trabalho de Carlos d’Andrea contribui para apresentação, aplicação e ampliação dos Estudos de Plataforma no Brasil, o que é reforçado pelo importante projeto de divulgação científica da EDUFBA, com a publicação de acesso aberto e gratuito.

 

Referências

D’ANDRÉA, Carlos. Pesquisando plataformas online: conceitos e métodos. Salvador, BA, EDUFBA: 2020. 79p.

VAN DIJCK, J.; POELL, T.; WALL, M. The Platform Society: public values in a connective world. Londres: Oxford Press, 2018.

 

*Mariana Campos Carvalho é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura/ECO-UFRJ, com bolsa da CAPES, pesquisadora do MediaLab.UFRJ e editora-assistente da Revista ECO-Pós. [mariana.eco.ufrj@gmail.com]

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References

References
1  Referências do campo como José Van Dijck, Thomas Poell e de Martijn De Waal nomeiam, inclusive, a sociedade contemporânea como “sociedade da plataforma” (2018