// “Como trabalham os brasileiros que treinam inteligências artificiais?” Paula Cardoso comenta matéria do Intercept Brasil

21 de junho de 2023

Ao contrário do que se pensa, as tecnologias anunciadas como autônomas ou inteligentes dependem de uma grande quantidade de trabalho humano precarizado, mal pago e quase invisível para operar. Nesta segunda-feira (19/06), o The Intercept Brasil publicou uma reportagem sobre o microtrabalho que existe por trás de diversas tecnologias de inteligência artificial, como treinamento de dados, transcrição de áudios e moderação de conteúdo. 

A matéria destrincha os principais resultados de uma pesquisa inédita sobre microtrabalho no Brasil, realizada em parceria entre o LATRAPS (Universidade Estadual de Minas Gerais) e o DiPLab (Instituto Politécnico de Paris). Os resultados indicam que estas tarefas são exercidas majoritariamente em países do sul global como o Brasil, onde o perfil dos trabalhadores são principalmente mulheres (64%), com escolaridade acima da média e salário abaixo. Em média, os pagamentos são de 1,92 dólares por hora de trabalho, o que equivale a um rendimento mensal médio de 1.866 reais – um salário mínimo e meio. A incerteza e instabilidade dos valores de pagamento, entretanto, é a principal queixa dos trabalhadores, que não recebem ofertas claras ou possuem resguardos legais.

“O que pesquisas como essa evidenciam é que as habilidades ditas autônomas e inteligentes das IA’s dominadas pelas gigantes da tecnologia só existem às custas de múltiplas formas de extrativismo, seja da expropriação privada e massiva de dados, da extração de recursos minerais, ou da exploração de mão de obra sob a forma de microtrabalhos”, comenta Paula Cardoso, pesquisadora do MediaLab.UFRJ.

Um exemplo desses microtrabalhos mencionado na reportagem consiste em fotografar fezes de animais domésticos em diferentes cenários e posições para treinar a IA de um aspirador robô. Mas além das tarefas “estranhas”, muitos dos trabalhadores entrevistados relatam o custo psicológico de atuar na moderação de conteúdos em redes sociais, identificando e removendo postagens sobre violência física e sexual, acidentes, mortes e discurso de ódio.

“Enquanto o debate público é sequestrado por questões implausíveis como se a IA vai levar à extinção da humanidade, o trabalho intencionalmente invisibilizado e precarizado dessas pessoas revela como realmente funcionam as maquinarias da IA”, acrescenta Cardoso.